quinta-feira, 27 de agosto de 2009

CULTURA, SUJEITO E PERIFERIA: UM PROCESSO DE CIVILIDADE.

A breve trajetória humana em seu percurso enfrenta questões ainda insolúveis no que tange as relações sociais, políticas e econômicas na garantia da vida exercida em sua plenitude, onde o padrão cultural de cada indivíduo identifica e personaliza o ser na sociedade. Conceitualmente a cultura é tratada pela ciência de forma peculiar e ainda inconclusiva. Psicologia, filosofia, antropologia, sociologia dentro de seus anacronismos alimentam posições por vezes antagônicas, mas que resultam na afirmação de que os homens são seres culturais por natureza.

A necessidade de adaptar-se fez com que a humanidade constituísse mecanismos específicos no seu processo evolutivo, a fim de garantir as relações sociais como também às naturais. A cultura exerce um papel preponderante nas transformações produzidas a partir da civilidade onde avanços e retrocessos são balizados pelo nível de compreensão dos episódios decorrentes da vida social onde a visão iluminista que entende ”o mundo como constituído de estruturas vinculadas que funcionam em relação umas as outras numa sucessão... e que concede a soberania aos atores e a agencia humana nas explicações da mudança naquelas estruturas”. Numa perspectiva ampliada a identificação do sujeito como o elemento central das relações como o protagonista capaz de promover a partir da sua diversidade as transformações da sua realidade avançando para uma ação coletiva.

Numa sociedade hierarquizada onde é comum ouvirmos, em diversos locais, as pessoas dizendo que fulano ou beltrano não tem cultura. Este é um exemplo claro de ação preconceituosa, etnocêntrica como explica José Márcio Barros antropólogo e Diretor de Arte e Cultura da PUC Minas “A exclusão de certas formas de fazer cultura acaba excluindo os sujeitos dessas formas. Essa frase de levar cultura à periferia mostra a idéia de que não há cultura e que os moradores desses locais não são realizadores de cultura, é uma dupla discriminação no sentido dos lugares e dos sujeitos”, considera o pesquisador, “Cultura é tudo aquilo que é resultado da vida social, da aprendizagem, tudo aquilo que você adquire da sociedade é cultura”, define.

Identificamos o indício de uma ação etnocêntrica, aquela segundo a qual a cultura de uma das partes é sempre considerada melhor que a cultura alheia. “É uma visão etnocêntrica que gera essa idéia de só conceber a sua visão e seus próprios valores, vendo o diferente como desigual e inferior. Essa visão gera uma incapacidade de lidar com as diferenças e desigualdades”, esclarece o antropólogo.

A música, a dança, as artes plásticas, todas as manifestações artísticas encontradas nas vilas e favelas, o que inclui o funk, o pagode e o rap, fazem parte da produção cultural local, assim como as manifestações encontradas nos demais lugares fazem parte da cultura. No entanto, cultura não se restringe a arte, mas abrange diversos campos sociais. Caminhar, trabalhar, namorar, casar, estudar, cozinhar, tudo isto é cultura. “Essa forma de reduzir a cultura à arte, e mais do que isso, às belas artes é excludente no sentido que eliminam uma série de outras manifestações, formas de pensar o mundo e os sujeitos”.

Também o conceito de periferia precisa ser refletido com profundidade, pois se confunde periferia como sinônimo de favela. Por definição periferia é o que esta a margem, mas se observarmos os bairros periféricos onde a renda da população é mais alta, não são designados socialmente pelo termo periferia.

O conceito de periferia é reduzido ao distante, mas a cidade contemporânea não tem apenas um centro. Hoje o termo periferia diz respeito a lugares e sujeitos objetos de abandono das políticas públicas, estão na periferia política e economicamente.

Jailson de Souza e Silva, coordenador da ONG Observatório de Favelas do Rio de Janeiro e professor da Universidade Federal Fluminense reafirma que o conceito de periferia é cada vez mais vinculado à ordem social e ao poder. “O termo periferia está muito marcado pela questão social. Os grandes centros urbanos usam o termo periferia para caracterizar as áreas ao redor do centro que foram sendo ocupadas pelos poderes populares” constata o pesquisador e explica como a periferia é considerada, de forma preconceituosa, um problema social. “O espaço periférico é contraposto a um determinado ideal de urbano ou de civilização, vivenciado por uma pequena parcela dos habitantes da cidade ou da humanidade. Não é casual, então, que ela seja considerada uma disfunção, um problema que afeta a saúde da cidade e o mundo”. Reafirmando o equivoco de se considerar a periferia um local de ausências.

O reconhecimento de que na periferia dos centros urbanos, seus habitantes desenvolvem formas ativas e contrastantes para enfrentarem suas dificuldades do dia-a-dia, de acordo com suas trajetórias pessoais e coletivas, as características socioculturais e geográficas do seu território e a postura assumida pelas suas lideranças e pelas instituições locais, dentre outras variáveis. A superação dos evidentes limites presentes nas condições de vida dos habitantes da periferia é uma necessidade, a ser encarada pelos poderes públicos e pelos setores sociais identificados com a democracia e a justiça social.

A quebra da hegemonia das referências sociocêntricas, pela criação de mecanismos de diagnóstico e definição de ações que levem em conta os saberes construídos pelos moradores, em sua longa e intensa caminhada pela garantia da vida social equilibrada e justa no sentido de elevar a condição humana.

André Soares

GT de Cultura FSM 2010

FONTES:

Jaílson de Souza e Silva – geógrafo, coordenador do Observatório de Favelas e professor da Universidade Federal Fluminense

José Márcio Barros – antropólogo, Diretor de Arte e Cultura da PUC Minas

Ludmila Ribeiro – jornalista, coordenadora das ações de comunicação do Projeto Redemuim, do grupo Criarte

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